quinta-feira, 30 de julho de 2015

Ausência residual

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Fotografia de Joana Rodrigues da Silva





'A fotografia é, evidentemente, uma linguagem, mas uma linguagem que tem várias formas e explicações. Esta diversidade é mais ou menos a mesma que existe no caso da palavra: entre a escrita do jornalista e a escrita do poeta, encontramos a mesma diferença que existe entre a fotografia do repórter, testemunha atenta da atualidade, e a fotografia do artista, que no nu fotográfico, sublima de modo intemporal os volumes do corpo. Não somente a sua prática é diferente – não tratam da mesma realidade, ou mais exatamente, não tratam a realidade da mesma maneira – mas também é diferente o seu estatuto social, e, por conseguinte, aqueles a quem se dirigem. O fotógrafo de estúdio existe e trabalha de maneira totalmente estranha à do repórter (…) 

Uma vez libertada do controlo que esta exerce sobre ela, uma vez liberdade do seu contexto de origem, a fotografia, como qualquer obra literária ou pictórica, está aberta a múltiplas interpretações. A uma mesma imagem corresponde uma pluralidade de aproximações, da mesma maneira que sob o termo fotografia se arruma toda a espécie de práticas mais diversas. As diferenças são tão importantes que acabamos por perder de vista a singularidade da fotografia, a sua originalidade (…)

Há coisas que a fotografia sabe mostrar, mas que a pintura ou o cinema não sabem ou não podem mostrar. Determinados aspetos da vida, determinadas realidades do mundo.

Em primeiro lugar, a fotografia tem uma maneira, só dela, de fazer parar o tempo, sugerindo, por vezes o antes e o depois do “instante decisivo”, uma maneira de fixar um movimento, um gesto, um olhar, que pode ser o equivalente a uma luz na paisagem, e de descobrir na realidade um equilíbrio, uma harmonia apenas percetível, algo que, segundo a expressão popular, está preso por um fio. É uma maneira de valorizar um pormenor essencial ou banal, em circunstâncias que nem sempre se consegue explicar (…)

E depois, existe a emoção que só a imagem fotográfica sabe produzir, ao mostrar uma pessoa, um sítio, uma coisa que já mudou ou que já desapareceu. Isto acontece, sem dúvida, porque a fotografia está associada no nosso espírito, mais ou menos confusamente, à ideia da morte.'




Fonte:

Bauret, Gabriel. A fotografia : história : estilos : tendências : aplicações. Tradução de J. Espadeiro Martins. Lisboa : Edições 70, 1992. ISBN 9724410471. 






quinta-feira, 23 de julho de 2015

Ponto de interrogação

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"Life is Elsewhere", Fotografia de Sohrab Hura






Olhar faz-me sentir. Todos os pedaços que cabem no meu campo de visão fazem-me duvidar da minha existência. Nunca fui muito boa a lidar com os sentimentos. Penso demais. Ao pensar de mais envolvo-me num infinito mar de conhecimento, conhecimento disto ou daquilo, de tudo um pouco. Chego a questionar tudo em meu redor. Um ponto de interrogação seria o melhor símbolo para descrever o meu quotidiano. Nesta busca, que não finda, desencontro-me e replico-me. Gosto de calçar os sapatos dos outros para entender o que sentem, mas a razão complica este processo. A propósito desta ânsia de me rever nos outros, realço uma passagem de Susan Sontag:


O que é importante hoje é recuperar os nossos sentidos. Temos de aprender a ver mais, a ouvir mais, a sentir mais.” (Sontag 1961, p.32)

Quando sinto que sou movida pelos sentimentos, deixo-me levar, numa espécie de carruagem sem delimitações físicas. Sou assolada por alegria, exaltação, ansiedade e por fim tristeza. Já o tinha dito - as sensações são a minha perdição. Talvez porque coloco um ponto de interrogação aquando dos sentimentos e não os deixo fluir. Talvez porque queira dar uma explicação a tudo que tem existência.

A nostalgia de quando pouco pensava é uma ilha neste oceano de contradições. A minha infância parece um sonho, uma memória muito distante. Por vezes não sei se imagino que fui feliz ou se recordo a felicidade da inocência. 

Por isso conto um episódio passado, um pesar que já não existe porque o tentei compreender. 

Tinha 13 anos quando entrei lá pela primeira vez, num dia de deambulação. Já me tinham dito o que aquilo tinha sido, mas faltava-me sentir o que aquilo tinha sido. A minha imaginação encontrou o seu apogeu mal senti em toda a pele um frio, uma mão invisível. Os meus olhos nada mais viam que pedras e grades. No entanto os meus ouvidos gritavam. Fiquei muito triste nesse dia.

Mal percebia o que era a sociedade, o que eram as leis, a justiça, a moral ou a religião. Não percebia mas acreditava que tudo fazia sentido, que não era imperativo que eu compreendesse tais conceitos. Por isso eu sentia mais do que sinto agora. Através dessas sensações eu criei uma imagem mental daquele espaço e nunca me esqueci dela.

Acredito que “tudo se torna problemático questionável, objecto de análise e dúvida: Progresso e Revolução. Juventude. Maternidade. Até mesmo o Homem. E também a Poesia…” (Hura 2015, p.18). Acredito que a intuição é o espelho do nosso âmago e por isso, desta vez, dei-lhe toda a minha atenção. Descobri mais do que almejava. Dei aos meus olhos a conhecer a dita ‘realidade’. Juntei-lhe outras emoções, não minhas. Escolhi ser intermediária dos testemunhos e das imagens que recolhi. Investiguei e interpretei o que li, ouvi e vi. 

Sei que concretizei aquilo que durante dez anos desejei: calçar os sapatos de quem esteve encarcerado naquele espaço. Agora convido a caminharem este trilho. Não é fácil, não é soberbo, mas é humano e real.

Considero este o retrato de uma época, de um lugar delimitado onde a liberdade é rainha dos sonhos. Vou partilhar aquilo que descobri mas não vou descorar o que senti. Que o meu trabalho louve aqueles que me ajudaram e que nunca esquecerei.




Joana Rodrigues da Silva




quinta-feira, 25 de junho de 2015

Liber Leviticus

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‘João Almiro: o herói português’ - Imagem da Associação Nacional das Farmácias




'Um crime é um pecado que consiste em cometer (por feito ou por palavra) um ato que a lei proíbe, ou em omitir um ato que ela ordena. Assim, todo crime é um pecado, mas nem todo pecado é um crime. A intenção de roubar ou matar é um pecado, mesmo que nunca se manifeste através de palavras ou atos, porque Deus, que vê os pensamentos dos homens, pode culpá-los por eles. Mas antes de aparecer alguma coisa feita ou dita, onde um juiz humano possa descobrir a intenção, não pode falar-se em crime. Distinção esta já feita pelos gregos, nas palavras hamártema, énklema e aitía: das quais a primeira, que se traduz por pecado, significava qualquer espécie de violação da lei, e as duas últimas, que se traduzem por crime, significavam apenas o pecado do qual um homem pode acusar outro. Não há lugar para humana acusação de intenções que nunca se tornam visíveis em ações exteriores. De maneira semelhante, os latinos, com a palavra peccatum (pecado) designavam toda espécie de desvio em relação à lei, e com a palavra crimen (derivada de terno, que significava perceber) designavam apenas os pecados que podem ser apresentados perante um juiz, e portanto não são simples intenções.

Destas relações entre o pecado e a lei, e entre o crime e a lei civil, pode inferir-se, em primeiro lugar, que onde acaba a lei acaba também o pecado. Mas dado que a lei de natureza é eterna, a violação dos pactos, a arrogância e todos os atos contrários a qualquer virtude moral nunca podem deixar de ser pecados. Em segundo lugar, que onde acaba a lei civil acaba também o crime, pois na ausência de qualquer lei que não seja a lei de natureza deixa de haver lugar para acusação, sendo cada homem seu próprio juiz, acusado apenas por sua própria consciência e desculpado pela retidão de suas próprias intenções. Portanto, se há reta intenção o ato não é pecado, e no caso contrário o ato é pecado mas não é crime. Em terceiro lugar, que onde não há mais poder soberano também não há mais crime, pois onde não há tal poder não é possível conseguir a proteção da lei, portanto cada um pode proteger-se com seu próprio poder. Porque no momento da instituição do poder soberano não pode supor-se que ninguém renuncie ao direito de preservar seu próprio corpo, para cuja segurança foi estabelecida a soberania. Mas isto deve aplicar-se apenas aos que não contribuíram pessoalmente para a derrubada do poder que os protegia, porque isto foi um crime desde o início.

A fonte de todo crime é algum defeito de entendimento, ou algum erro de raciocínio, ou alguma brusca força das paixões. O defeito de entendimento é ignorância, e o de raciocínio é opinião errónea. Além disso, a ignorância pode ser de três espécies: da lei, dó soberano e da pena. A ignorância da lei de natureza não pode ser desculpa para ninguém, pois deve supor-se que todo homem chegado ao uso da razão sabe que não deve fazer aos outros o que jamais faria a si mesmo.'



Fonte:

HOBBES, Thomas de Malmesbury, Leviatã. Os Pensadores. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997.




quinta-feira, 11 de junho de 2015

(In)conscientes eles são

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'The Vietnamese Migration' - Fotografia de Sebastião Salgado 




'Não é fácil distinguir o homem dos animais, não há critério seguro para distinguir o homem dos animais. As vidas humanas decorrem da mesma íntima inconsciência que as vidas dos animais. As mesmas leis profundas, que regem de fora os instintos dos animais, regem, também, de fora, a inteligência do homem, que parece não ser mais que um instinto em formação, tão inconsciente como todo instinto, menos perfeito porque ainda não formado. 
«Tudo vem da sem-razão», diz-se na Antologia Grega.

A Ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente. E a ironia atravessa dois estádios: o estádio marcado por Sócrates, quando disse «sei só que nada sei», e o estádio marcado por Sanches, quando disse «nem sei se nada sei». O primeiro passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós dogmaticamente, e todo o homem superior o dá e atinge. O segundo passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós e da nossa dúvida, e poucos homens o têm atingido na curta extensão já tão longa do tempo que, humanidade, temos visto o sol e a noite sobre a vária superfície da terra.'



'Fragmento 149', Bernardo Soares in Livro do Desassossego





quinta-feira, 23 de abril de 2015

Fotografias | Inauguração | 'O Fim da Clausura'

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Fotografia de Carla Miranda


Fotografia de Carla Miranda

Fotografia de Carla Miranda

Fotografia de Carla Miranda



Fotografia de Márcio Silva


Fotografia de Márcio Silva

Fotografia de Márcio Silva


Fotografia de Márcio Silva

Fotografia de Gil Lago

Fotografia de Carla Miranda


Fotografia de Carla Miranda

Fotografia de Márcio Silva

Fotografia de Carla Miranda

Fotografia de Márcio Silva

Fotografia de Carla Miranda


Fotografia de Márcio Silva


Fotografia de Márcio Silva

Fotografia de Márcio Silva

Fotografia de Carla Miranda


Fotografia de Carla Miranda

Fotografia de Carla Miranda



(clique nas imagens para aumentar)








quinta-feira, 9 de abril de 2015

Exposição | O Fim da Clausura

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17 de abril a 2 de maio de 2015 | Torre da Cadeia Velha

Segunda-feira a sábado das 9h30 às 13h00 e das 14h00 às 17h30.

Exposição fotográfica e audiovisual realizada no âmbito da investigação no campo de acção do Mestrado em Design da Imagem da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, com o apoio do Município de Ponte de Lima e da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.